Recoberta de concreto armado e resina em cor vermelha, uma fenda escavada numa montanha em Água Preta, na Mata Sul de Pernambuco, ganhou repercussão em todo o mundo por representar uma vulva que sangra.
A land art (tipo de arte em que o terreno natural se integra à obra) Diva, da artista e pesquisadora recifense Juliana Notari, foi realizada dentro do terreno da Usina da Arte, que antes abrigava a Usina Santa Terezinha, e ganhou essa propulsão inesperada através das redes sociais por diversas reações, sobretudo pelo incômodo causado pelo tabu que envolve a figura da vulva (em contraponto à cultura do falocentrismo). Para a artista, Diva fala sobre “feridas coloniais”, levantando “traumas da violência” ligadas ao patriarcalismo.
The Guardian (Reino Unido), CNN (EUA), Reuters (agência de notícias), Wion News (India) e o portal Yahoo chinês foram alguns dos veículos internacionais que publicaram notícias sobre a obra. “Eu não imaginava que fosse ter essa repercussão toda. A obra reverberou pois mexeu em feridas históricas, em camadas, em debates, com esse alcance internacional.
O papel da arte é esse. É passível de críticas. Só não podemos ir para a baixaria, para os ataques”, diz Juliana, em entrevista ao Diario de Pernambuco por telefone, entre as inúmeras entrevistas que deu nesta segunda-feira (4). A artista afirmou que perdeu o controle da repercussão. “Isso é bom, mas fico preocupada com minha saúde mental”, confessa.
A carreira de Juliana Notari é marcada por uma abordagem multidisciplinar que encara tons biográficos e confessionais, agregando traumas, medos, fantasias e desejos. A figura da vagina já está presente em sua obra nos últimos 20 anos, sendo presente na performance Dra. Diva (2006), na série de quadros Ferida da Bienal (2008), na intervenção urbana Spalt-me (2009) e na videoperformance Amuamas (2018). Diva nasceu de um convite do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (Mamam), iniciando uma nova temporada de obras dentro da Usina das Artes. “Fiz uma residência, passei um tempo conhecendo o local, convivendo, para poder pensar em uma obra. Foi um trabalho exaustivo, grande, com muita mão de obra. Foi legal porque empregou a população local e tudo mais”, conta.
Imagem de Juliana Notari entre os trabalhadores causou reações negativas. (Foto: Divulgação)
Imagem de Juliana Notari entre os trabalhadores causou reações negativas. (Foto: Divulgação)
Em publicação nas redes sociais para divulgar a obra concluída, Juliana incluiu uma foto do processo da construção. A presença de trabalhadores negros, em contraponto com a artista branca, foi uma das constrovérsias envolvendo a obra, mostrando o cerne de privilégio racial que envolve o universo da arte. Sobre esse ponto, Juliana falou: “Quando olhamos para essa foto específica, vemos os negros nesse contexto por conta de um processo histórico. Isso é terrível, pois os negros não tiveram difeito à terra, ficaram marginalizados, sem acesso à educação ou cultura. A arte também está dentro desse contexto e reproduz esses padrões. O meu maior problema não é jogar essa conta na Diva, é um problema estrutural brasileiro.”
Uma outra discussão envolvia pessoas trans, pois a vulva como uma “exaltação de feminilidade” excluiria algumas identidades de gênero. Para Juliana, as únicas críticas nocivas são aquelas que “partem para o ataque”. “Esse tipo de coisa vem ocorrendo há algum tempo no Brasil, mas com o bolsonarismo a coisa vem ficando mais odiosa. O ataque que estou sofrendo vem disso. Não são críticas construtivas que estão elevando o debate”, desabafa Notari.
No Brasil, um certo clima de censura de obras artísticas vem ganhando corpo desde a meados de 2017, a exemplo dos casos da exposição Queermuseu, em Porto Alegre, e da peça O Evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu, no Festival de Inverno de Garanhuns, em Pernambuco. Mas a polêmica em torno de obras que representam órgãos sexuais é mais antiga. Em 1999, por exemplo, o projeto original da fálica Torre de Cristal, que reina no Parque de Esculturas de Francisco Brennand, também causou controvérsia a ponto do então prefeito do Recife Roberto Magalhães entrar armado na redação de um jornal para intimidar um colunista que supostamente ironizou o tema em nota. A Torre de Cristal, inclusive, tem 32 metros. Diva tem 33 metros de comprimento e 6 de profundidade. Segundo Juliana, esse tamanho comparativo foi “apenas uma coincidência.
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FONTE: DIARIO DE PERNAMBUCO